quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

No país que não lê, reformar o quê?



Em entrevista ao Correio Braziliense, o escritor João Ubaldo Ribeiro afirma que a reforma ortográfica da língua portuguesa em nada enriquece o idioma, "mas alguém enriquecerá com ela". E o presidente Lula deve ser mais direto: "Prefeitos, comprem novos dicionários para as escolas e bibliotecas municipais." Lindo.
Obviamente, que a "asneira do século", conforme definiu o editor do portal Conexão CPLP, Ray Cunha, em vez de unificar as línguas portuguesa e brasileira, confunde. "Representa a galinha dos ovos de ouro para os editores fregueses do Ministério da Educação do Brasil. Em vez de as nações lusófonas gastarem rios de dinheiro com essa besteira, deveriam prestar atenção no setor educacional dos respectivos países", adverte o jornalista.
O acordo ortográfico põe fim à acentuação em paroxítonas terminadas em ditongo. Assim, heroicos sindicalistas dos anos 2000 promoverão assembleias, no estrito cumprimento do dever, mesmo com indisfarçáveis tramoias. Viram que ridículo?
Uma das mensagens de ano novo me desafia: faça algo diferente em 2009. Aceite as mudanças para não envelhecer. Será?
Venda milionária de livros
Alguns jornais se glorificam, ao anunciar garbosamente que adotam a novíssima ortografia no alvorecer de 2009. No modesto site da combalida – mas teimosa – Agência Amazônia de Notícias, combinei com o editor-chefe, Chico Araújo: quero integrar o exército da desobediência civil. Logo eu, um obediente e temente a Deus.
No final dos textos nesse site justificaremos a continuidade do uso de tremas e circunflexos, até que todos os países de língua portuguesa promovam as respectivas reformas ortográficas.
O canto da sereia e a ameaça de assassinato não me soam bem. Sinto-me envergonhado de manchetar, por exemplo: "Dois conselheiros veem o índio como estorvo. Lula e Marisa não leem gibis."
Eles veem, eles não creem em profecias, nem no Apocalipse. "Não há diferença". Há. Sem o circunflexo, o som é vem e crem. Certamente o locutor de rádio, TV e internet não dirá crem, mas crêem. Não confundirá o vêem (de enxergar) com o vem (de chegar).
A sensação é de que o tempo de aprendizado se sujeitaria agora ao castigo de permitir a pecha de burraldo, enquanto o "internetiquês" expõe a verdadeira alienação nos campos do Orkut, MSN e adjacentes.
Minha insubordinação traduz um sentimento nessa nervosa véspera de venda milionária de livros ao MEC e de confusão generalizada nos concursos públicos e nos poderes Judiciário, Legislativo e Executivo, sempre zelosos com o vernáculo.


Texto de Montezuma Cruz